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CAMPO & CIDADE

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Vale do aipim

Estrada sui generis, estrada do Pico, Joinville. Margeia o rio Cubatão, planície extensa, enclave de montanhas. Bem conservada, mesmo assim impõe ressalvas à chofer imprevidente. Curvas mescladas com trechos em linha reta, surpreendem; um convite para testar adrenalina. A aparente tranquilidade do riacho Ronco d'Água, ledo engano. Do nada arma-se, dispara cabeça de água, ponderação de Eric Fleith, líder sindical e centenário alambiqueiro na região. 

A olhos vistos, lavouras sobressaem na bucólica na paisagem. Fartura certa. Sobre matriz formada por seixo rolado, manta fértil de solo propícia um ambiente apropriado ao cultivo de frutas e hortaliças. Daí a prosperidade. Bananais exuberantes, e muito aipim. Sim, aipim. Para a maioria mandioca. E tem cará, taia, pupunha, palmito, hortaliças. E peixe. E pesque-pague. E pastagem. Gado. Uma festa campeira a céu aberto, diz meu amigo Franklin.

O aparente sossego vez por outra, no entanto, evapora. Cena comum: armam-se temporais na serra. E com a natureza somente resta resignar-se. Os mais antigos sabiam disso. Faro selvagem. Daí construírem as residências em locais mais protegidos. E antes de atravessar o rio com as carroças corriam os olhos pela serra. Nuvens escurecidas, nada de aventura. Era tromba d'água certa. Até calculavam o tempo de chegada da cabeça de água. E voltar com o rio cheio só quando Deus quisesse. Mas vez por outra a situação fugia de controle. Era o córrego Ronco d'Água furioso, urrando, sinalizava perigo. Se à noite, cenário estarrecedor.

Uma dessas intempéries, dezembro de 1999, marcou época. Chuva torrencial, nem a histórica ponte Friedrich Piske resistiu. Simplesmente desabou a velha ponte coberta. Ponte de madeira nobre. Rodou como um ninho de passarinho. Uma touça de bambu soltou-se na margem do rio sufocando-a como se fosse uma jiboia. Metade, no entanto, para sorte dos moradores, resistiu. E para completar o macabro cenário outras duas pontes soçobraram: uma baixa, a outra pênsil. De uma hora para outra a região ficou ilhada. Improvisa-se nesta hora. Travessia rústica foi erguida no que restou da ponte Friedrich Piske. Passagem somente para pedestres. Mas é os carros, o trânsito de máquinas agrícolas. Nada disso. Tudo parado. Escoar a produção nem pensar.

Luiz Henrique, então prefeito, visita a região. Percebe o cenário sombrio; ato contínuo, aciona o batalhão do exército em Porto União. Uma semana depois ponte de ferro é instalada pela guarnição militar. Medida providencial. Ao coronel Santa Rosa, comandante, eterna gratidão. Enquanto isso mãos à obra. Reconstruir a ponte histórica. Apela o prefeito para o Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha. Meses depois a nova ponte, monumental ponte torna-se realidade.

A pedido dos moradores, embora de concreto, mas coberta. Sim, coberta. E a parte que sobrou foi reerguida sobre o rio Quiriri. E lá está incólume. De madeira e coberta. Ponte Durival Lopes Pereira, justa homenagem ao líder comunitário. Ali uniu-se o útil ao agradável. Monumento ao turismo rural. Encantadora.

Tempos depois, na região executa-se o projeto de microbacias I do Banco Mundial (BIRD). Projeto tocado pela Epagri em parceria com o município, Fundação 25 de julho. Pontilhões e galerias recuperados. Fontes e caixas d'água protegidas. Depósito de lixo tóxico erguido. Introdução de boas práticas agrícolas. Cobertura verde do solo. Cultivo mínimo. Comunidade ativa. Atuação à muitas mãos. Parceria virtuosa.

Eis, entretanto, que tempos depois retornamos à região: dia de campo de aipim. Propriedade do senhor Osvaldo Voigt, agricultor centenário. O ensaio conduzido pela Epagri, Estação experimental de Urussanga, um sucesso. Vários cultivares foram testados, com direito à degustação.

A família Voigt trabalha unida. A renda vai para um cofre comum partilhada com os filhos que labutam na lavoura. Sem dúvida, um exemplo de união familiar. Ali, em 2010, com a presença do então presidente da Epagri, Luiz Ademir Hessmann, instalou-se uma estação agrometereológica. Sinal dos tempos. Informações climáticas on line, via satélite. 

Mais ao fundo, a propriedade de Marcos Merkle, o rei do palmito. Imensa área verde conservada. Utiliza menos de 5% para cultivo de palmito juçara. E palmito híbrido. É famoso o pastel do Marcos, servido na lanchonete na rodovia SC-418 - popular estrada da Serra Dona Francisca.

Por fim, um fato curioso: por ocasião da inauguração da ponte Friedrich Piske mobiliza-se a comunidade. Ato festivo inesquecível. O desfile com produtos típicos surpreende às autoridades convidadas, com destaque para o prefeito Luiz Henrique, o ministro dos transportes Eliseu Padilha, Manoel Mendonça, então secretário municipal da infraestrutura e Geovah Amarante, entre outras presenças, caso dos vereadores Odir Nunes e Maria Cadorin.

O senador Cacildo Maldaner rouba a cena, no entanto. De largada vai nos inquirindo (erámos secretário distrital de Pirabeiraba).

- Zabot, cadê as pupunhas do Luiz Henrique. O cultivo de palmeira real australiana e pupunha expandia-se na região. Luiz Henrique comentará com Cacildo que ficará curioso quanto ao potencial da palmácea.

Não deu tempo de responder. Cacildo, divertidíssimo, percebendo que Luiz Henrique ouvia a conversa, emenda:

- É esta Zabot. Aponta para uma touça de palmeiras.

- Não Cacildo, são arecas. Não contentando-se, aponta para outra palmeira.

- Então, é essa.

- Não Cacildo. Está é a palmeira juçara, nativa da região.

- Então, brada Cacildo em tom jocoso, cadê as pupunhas do Luiz Henrique? E, antes que respondesse, emenda:

- Zabot, quem planta pupunha é o que? Pupunheiro. Fazia questão de repetir... pupunheiro. E antes que virasse pornografia, Luiz Henrique o interrompe, instando-me:

- Zabot, leva o Cacildo até uma lavoura enquanto é tempo. Gargalhada geral.

Bons tempos aqueles. Nunca esqueço do prefeito Luiz Henrique, inteirado da situação crítica em face da intempérie, posta as mãos em meus ombros e proclama com a maior naturalidade deste mundo:

- Zabot, não te preocupe, ameaças também geram oportunidades. Tudo será reconstruído. Assim era Luiz Henrique, uma mão amiga nas horas mais fatídicas. Deus o tenha!

Quanto ao vale do aipim - dádiva da natureza -, nada a acrescentar... Apenas enaltecer a boa terra e a boa gente. Alvissaras!

Joinville, agosto de 2020 

Onévio Zabot

Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras 

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